Desde Linnaeus em 1758, passando pelo século XIX, até as décadas de 30 e 40 do século passado, quase todas as espécies brasileiras de insetos foram descritas por autores europeus, principalmente e americanos. Esta situação foi uma decorrência natural da disponibilidade de material entomológico que estava depositado nos museus e coleções de universidades do hemisfério norte, produto das várias expedições científicas que estrangeiros fizeram ao Brasil. Como resultado, o material-tipo, base das descrições dessas espécies ficaram depositadas nessas instituições. Como estas descrições foram em sua grande maioria deficientes na sua narrativa, tornava-se difícil a identificação das espécies, principalmente daquelas que não apresentavam caráter diagnóstico marcante. As figuras associadas às descrições, quando havia, nem sempre eram suficientemente esclarecedoras.
Quando se desenvolvia um trabalho de revisão taxonômica, o comum era solicitar o material-tipo objeto de estudo às instituições depositárias ou viajar até elas, fosse nacional ou estrangeira. Nem sempre estas opções se tornavam viáveis. Fruto destas dificuldades discutia-se no âmbito do Departamento de Zoologia, do qual o Padre Moure era chefe, a possibilidade de se fotografar o material-tipo depositado nos vários museus do mundo, formando uma coleção de diapositivos. Estas imagens seriam a maneira de viabilizar a correta identificação de um sem número de espécies não só pelos taxônomos do Departamento, mas também por aqueles de outras instituições brasileiras.
A ideia criou corpo e todos passaram a incentivar ao Padre Moure para executar a tarefa. Assim, em meados de 1969, ele viajou para a Europa, para fotografar material-tipo de Hymenoptera (Apidae), Lepidoptera, Coleoptera e eventualmente de outras ordens.
A maior contribuição do Pe. Jesus Santiago Moure à ciência foi, sem dúvida, os inúmeros trabalhos sobre biologia e sistemática de abelhas. Contudo, parte de sua trajetória está também relacionada à taxonomia de besouros.
Aos 12 anos, Jesus S. Moure ingressou no Seminário Claretiano de Curitiba, Paraná e aos 16 mudou-se para o Seminário Maior Claretiano de Rio Claro, São Paulo onde, em 1932, formou-se em Filosofia, Ciências Naturais, Física e Matemática.
Conhecedor de diversas línguas como grego, francês, espanhol e hebráico, foi o seu domínio do latim que possibilitou a aproximação com a taxonomia de insetos, em especial os besouros, no período que esteve no Museu Paulista auxiliando o pesquisador Frederico Lane. Este contato possibilitou a publicação de três trabalhos sobre a sistemática de Curculionidae (Moure & Lane, 1938a; Moure & Lane, 1938b; Moure & Lane, 1939). Incentivado por Lane, Pe. Moure se aproximou cada vez mais das abelhas ao desbravar a coleção que se encontrava abandonada naquele museu.
Já em Curitiba, no Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, e mesmo se dedicando às abelhas, o Pe. Moure colaborou com vários pesquisadores de diferentes grupos de insetos. Financiado por órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Rockfeller, teve a possibilidade de realizar diversas viagens para documentar o material-tipo de insetos depositado em museus no Brasil e no exterior. Para estas viagens levava consigo uma máquina fotográfica com a qual registrava os espécimes em formato de diapositivos. Em cada diapositivo fazia anotações como o nome original, data do registro, instituição de depósito e observações pertinentes como a indicação de possíveis sinonímias.
Além de fotografar espécimes de Hymenoptera, que eram de seu interesse e de sua pupila, a Professora Danúncia Urban, fotografou também espécimes de Coleoptera, Hemiptera e Lepidoptera, espelhando as especialidades dos pesquisadores que compunham o corpo docente do Departamento de Zoologia da UFPR naquela época: Professor Renato C. Marinoni, Professor Albino M. Sakakibara e Professor Olaf H. H. Mielke. O número total de diapositivos produzidos pelo Pe. Moure não é conhecido, mas o acervo de Coleoptera está estimado em 10 mil fotografias, incluindo exemplares das famílias Cerambycidae, Chrysomelidae e Curculionidae.
Os diapositivos da família Cerambycidae retratavam uma significativa parceria com o Professor Renato Marinoni, que foi o responsável pela sua curadoria e disseminação entre os pesquisadores brasileiros. Tal acervo, composto por espécies que se distribuem no Novo Mundo, é até hoje constantemente solicitado para o desenvolvimento de pesquisas uma vez que possibilita a comparação imediata com os exemplares depositados nas coleções brasileiras sem, muitas vezes, haver a necessidade de viagens, solicitação de empréstimos ou solicitação de imagens de museus do exterior.
O Professor Renato Contin Marinoni iniciou sua carreira pouco antes de se formar no Curso de História Natural em 1962 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná, tendo sido indicado pelo Pe. Moure, fundador e chefe do Departamento de Zoologia da UFPR, ao cargo de instrutor sem qualquer vínculo empregatício. Sua função era auxiliar o professor Dr. Hans Jakobi no laboratório de Fisiologia Animal, que na época fazia parte do Departamento de Zoologia. Pelo fato do Professor Hans Jakobi ser especialista em Copepoda (Crustacea), esse foi o grupo em que iniciou suas publicações que mais tarde passaram a ser em insetos, Coleoptera exclusivamente.
Em 1966 tornou-se Professor Auxiliar de Ensino no Curso de Licenciatura em Ciências, também indicado pelo Pe. Moure, mas sua posição foi consolidada somente em 1971 após prestar concurso para Professor Assistente.
Em 1969, com o reconhecimento do CNPq, o Departamento de Zoologia foi definido como um Centro de Excelência em Entomologia. A partir disso, passou a oferecer um Curso de Pós-Graduação em Entomologia e Genética Humana, em nível de Mestrado. Em 1971, o Professor Renato foi o primeiro a receber o título de Mestre em Entomologia da UFPR e, em 1979, o primeiro a receber o título de Doutor em Ciências. Seu doutorado foi realizado sob a orientação do Professor Dr. Ubirajara Martins do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, especialista na família Cerambycidae.
Tanto sua dissertação demestrado quanto sua tese de doutorado foram realizadas com sistemática e taxonomia de Cerambycidae. A dissertação de mestrado tinha como título: “Esboço monográfico do gênero Tapeina Lepeletier & Serville, 1828 (Coleoptera, Cerambycidae)” e a de doutorado “Contribuição à sistemática de Lamiinae (Cerambycidae-Coleoptera)”.
O Professor Renato sempre foi inovador em suas atividades, tentando aprender novas metodologias e, líder por vocação, coordenando grandes projetos.
Em 1981 fundou o Centro de Identificação de Insetos Fitófagos (CIIF), cujo objetivo era identificar material para interessados em insetos praga no Brasil e exterior. O CIIF funcionou por muitos anos e foi responsável pela manutenção de pesquisadores no Departamento de Zoologia da UFPR até sua efetivação como Professores por concurso.
Foi o principal responsável por grandes levantamentos entomofaunísticos que incrementaram a Coleção Entomológica Pe. Jesus Santiago Moure. O principal projeto foi o PROFAUPAR – Levantamento de Fauna Entomológica do Paraná (Marinoni & Dutra, 1991), realizado nos anos de 1986 e 1987, que produziu dezenas de publicações, dissertações de mestrado, teses de doutorado e inúmeras descrições de novos táxons.
Por essa grande vontade de fazer novos projetos e pelo reconhecimento da importância das informações da coleção, em 2008 o Professor Renato deu início ao Projeto Coleção de Imagens de Material Tipo Padre J. S. Moure - CITi-Moure, com o objetivo de digitalizar os diapositivos produzidos pelo Pe. Moure para construir um banco de dados e disponibilizá-lo via internet de forma aberta a todos que tivessem interesse. Nesse momento contou com o auxílio da Dra. Norma Giambarresi Ganho, sua ex-orientanda de mestrado e doutorado, que atualmente trabalha na Coleção Entomológica Pe. Jesus Santiago Moure, e também de Diego de Santana Souza, que estava iniciando o mestrado sob sua orientação.
Tal processo foi, infelizmente, interrompido em 2011 com o seu falecimento. Até aquele momento haviam sido digitalizados mais de 3.000 diapositivos de Cerambycidae, todos da subfamília Lamiinae que era seu táxon de interesse.
O presente site foi construído graças à iniciativa do Prof. Dr Renato Contin Marinoni em reunir em um banco de dados as informações disponíveis nos diapositivos e checklists feitos pelo Pe. Jesus Santiago Moure durante suas viagens a instituições do Brasil, Europa e Estados Unidos no período de 1969 a 1976 quando fotografou exemplares de Cerambycidae.
A informatização dos dados teve início com os diapositivos da subfamília Lamiinae. Foram digitalizados 3.107 diapositivos, de 2008 a 2011, e as informações colocadas em bancos de dados construído com recursos do CNPq para a Rede Paranaense de Coleções Biológicas – Taxonline. Para o banco de dados foram adicionados campos para: número do slide, tribo, gênero, espécie, autor e data, nome atual, autor e data original, material tipo, procedência, coleção, instituição, data de obtenção e observação, e todas essas informações atreladas a uma imagem de alta resolução digitalizada em formato “.jpg”.
Em 2021 o projeto foi retomado mediante financiamento da Fundação Araucária ao NAPI Taxonline – Rede Paranaense de Coleções Biológicas (https://www.taxonline.bio.br/). A iniciativa de reiniciá-lo foi da professora Dra. Luciane Marinoni, filha e colega do Professor Renato no Departamento de Zoologia da UFPR, e coordenadora do NAPI Taxonline. A seu convite, participam também desse projeto, o Dr. Diego de S. Souza, Dra. Tatiana Sepúlveda e Dr. Isaac Jorge, os dois últimos bolsistas do Napi Taxonline.
Até o momento, 4.645 diapositivos foram digitalizados e suas informações verificadas, ou seja, 3.107 de Lamiinae e 1.535 diapositivos de outras subfamílias de Cerambycidae (Cerambycinae, Lepturinae, Parandrinae e Prioninae), contando também com alguns registros de Vesperidae (representados por Anoplodermatinae).
Foi feita uma revisão do banco de dados e das informações que haviam sido preenchidas pelo Professor Renato no período de 2008 a 2011. A classificação das espécies foi confirmada utilizando catálogos atuais (Monné, 2021a, b, c; Monné & Nearns, 2022) e, quando possível, foram acrescentadas outras informações como, família, subfamília, página, espécie tipo, sexo, escala (aumento, dimensão), descrição original e, DOI.
Várias informações sobre as datas das viagens, itinerário e instituições visitadas foram obtidas das anotações feitas pelo próprio Pe. Moure nos versos de seus manuscritos, onde constam valores das despesas com transporte, alimentação, hospedagem e, inclusive, compra de filmes para fotografia. Foi também realizada uma investigação das anotações e checklists realizados pelos pesquisadores que tiveram acesso aos diapositivos. Além do Pe. Moure e do Professor Renato, o Dr. Ubirajara Martins, o Dr. Miguel Monné (Museu Nacional) e a Dra. Dilma Solange Napp (Universidade Federal do Paraná) também fizeram observações sobre os diapositivos e as viagens do Padre Moure. Nas anotações podem ser verificados dados como data de obtenção das imagens, instituição de depósito, número do filme fotográfico, número e nome do exemplar, escala da imagem, dentre outras.
Durante esse processo de pesquisa foi observado que alguns espécimes de diferentes instituições foram fotografados no mesmo dia, indicando que tais exemplares estavam na instituição por empréstimo.
De acordo com a documentação disponível foi possível definir as instituições visitadas e reconstruir o itinerário de seis viagens realizadas em 1969, 1970, 1971, 1972, 1973 e 1976. Abaixo são apresentados os dados que foram transferidos para mapas e uma linha do tempo. São apresentadas as datas da viagem e na sequência as cidades e acrônimos das instituições visitadas. As instituições estão pela ordem do itinerário da viagem realizada.
1969 - Copenhague, ZMUC; Estocolmo, NHRS; Londres, BMNH; Glasgow, HMUG, Londres, BMNH; Paris, MNHN; Rio de Janeiro, MNRJ.
1970 - Rio de Janeiro, MNRJ.
1971 - São Paulo, MZSP.
1972 - Londres, BMNH; Edinburg; Doncaster, MAGD; Mancherter, MMU; Londres, BMNH; Estocolmo, NHRS; Upsália, UZIU; Copenhague, ZMUC; Paris, MNHN; Londres, BMNH; Melbourne, MVMA; Paris, MNHN.
1973 - São Paulo, MZSP; Nova Iorque, AMNH.
1976 - Washington, USNM; Filadélfia, ANSP; Nova Iorque, AMNH; Cambridge, MCZN; Ithaca, CUIC; Chicago, FMNH; Pittsburgh, CMNH; São Paulo, MZSP.
Diego Souza. Consultoria sobre o banco de dados e as intenções do Professor Renato em sua confecção; confirmação dos dados taxonômicos e classificação; revisão e redação do texto; layout do site.
Isaac Jorge. Informatização, reestruturação e preenchimento do Banco de Dados; pesquisa e análise das anotações e checklists; confecção dos mapas; revisão e redação do texto.
Luciane Marinoni. Idealização do projeto; obtenção de recursos; redação e revisão dos textos; revisão do conteúdo do site.
Tatiana Sepúlveda. Confecção dos logos, revisão do texto; layout e programação do site.
Engel, M. S., Urban, D., De Oliveira, F. F., & Alves-Dos-Santos, I. 2012. In memoriam: Jesús Santiago Moure (1912–2010). Journal of the Kansas Entomological Society, 85(1): 65-83.
Lane, F., & J.S. Moure. 1938. Os Cholineos do Museu Paulista. I – Descripção de algumas espécies novas. Revista do Museu Paulista, 23: 615-630.
Lane, F., & J.S. Moure. 1938. Uma nova espécie de Neaedus Pasc. (Col. Curc.). Revista de Entomologia, 8 (3-4): 315-317.
Lane, F., & J.S. Moure. 1939 [1940]. Os Cholineos do Museu Paulista, II. Descrição de uma nova especie do genero Oreopeplus F. Lane & Moure, 1938 Curculionidae, Cholinae). Arquivos do Zoologia do Estado de São Paulo, 1: 369-374.
Marinoni, R. C., & Dutra, R. R. 1991. Levantamento da fauna entomológica no estado do Paraná: I. Introdução. Situações climática e florística de oito pontos de coleta. Dados faunísticos de agosto de 1986 a julho de 1987. Revista brasileira de Zoologia, 8: 31-73.
Melo, G. A. R., & I. Alves dos Santos. 2003. Moure 90 anos: uma trajetória em imagens. pp. 3-10. In Melo, G. A. R. and I. Alves dos Santos (eds.). Apoidea Neotropica. Homenagem aos 90 Anos de Jesus Santiago Moure. Editora UNESC [Universidade do Extremo Sul Catarinense], Criciúma, Brazil. xvi + 320 pp.
Ribeiro-Costa, C. S., & R. C. Marinoni. 2011. In memoriam: Father Jesus Santiago Moure (2 November 1912–10 July 2010). Chrysomela, 53: 9-10.
Urban, D., & Melo, G. A. 2010. Obituary: Jesus Santiago Moure. Revista Brasileira de Entomologia, 54: 515-518.
AMNH, American Museun of Natural History, New York, Estados Unidos da América
ANSP, Academy of Natural Sciences, Philadelphia, Estados Unidos da América
BMNH, The Natural History Museum, Londres, Reino Unido
CAPR, Coleção Particular Alberto Prosen, Resistencia, Argentina
CMNH, Carnegie Museum of Nature, Pittsburgh, Estados Unidos da América
CUIC, Cornel University, Ithaca, Estados Unidos da América
DZUP, Coleção Entomológica 'Pe. Jesus Santiago Moure', Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
FAUV, Facultad de Agronomia, Universidad Central de Venezuela, Maracay, Venezuela
FMNH, Field Museum of Natural History, Chicago, Estados Unidos da América
HMUG, Hunterian Museum, Glasgow University, Glasgow, Reino Unido
IAHC, Instituto de Investigaciones de Recursos Biológicos 'Alexander von Humboldt', Villa de Leyva, Colômbia
IMLA, Fundación e Intituto Miguel Lillo, Universidad National de Tucumán, San Miguel de Tucumán, Argentina
ISNB, Institut Royal des Sciences Naturelles de Belgique, Brussels, Bélgica
MACN, Museo Argentino de Ciencias Naturales 'Bernadino Rivadavia', Buenos Aires, Argentina
MAGD, Museum and Art Gallery, Doncaster, Reino Unido
MCZN, Museum of Comparative Zoology, Havard University, Cambridge, Estados Unidos da América
MLPA, Museo de La Plata, Universidad Nacional de La Plata, La Plata, Argentina
MMU, Manchester Museum, Manchester, Reino Unido
MNHN, Muséum National d'Historie Naturelle, Paris, França
MNRJ, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
MVMA, Nation Museum of Victoria, Melbourne, Australia
MZSP, Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
NHRS, Naturhistoriska Riksmuseet, Stockholm, Suécia
NMPC, National Museum (Natural History), Praha, República Tcheca
OXUM, Hope Entomological Collections, University Museum Oxford Reino Unido
SMFD, Forschungsinstitute und Naturmuseum Senckenberg, Frankfurt-am-Main, Alemanha
UPRG, Universidad Nacional 'Pedro Ruiz Gallo', Lambayeque, Peru
USNM, National Museum of Natural History, Washington D. C., Estados Unidos da América
UZIU, Uppsala University, Uppsala, Suécia
ZMHB, Museum fur Naturkunde der Humboldt-Universiät von Hamburg, Hamburgo, Alemanha
ZMUC, Zoologisk Museum, University of Copenhagen, Copenhagen, Dinamarca
ZSMC, Zoologische Staatssammlung des Bayerischen Staates, Munique, Alemanha